O Engenheiro do Linho
Quando fui buscar as sementes de Linho Galego ao BPGV, e expliquei à Eng. Ana Maria Barata o que pretendíamos fazer e explorar com esta ideia de produzir e processar fibras têxteis sem Serralves, ela mencionou-me que tinha tido um colega no Banco que há alguns anos atrás tinha trabalhado num projecto relacionado com Linho, e que tinha andado a desenvolver equipamento que talvez achássemos interessante.
Esse colega era o Engenheiro António Silva e o projecto, que andou a desenvolver em meados dos anos 90, tinha como objectivo optimizar o processamento de Linho para fibra têxtil, numa escala de produção pequena.
Já naquela altura o processamento industrial tinha cessado no nosso país havia muito tempo, por isso o panorama era mais ou menos semelhante ao que é hoje: grupos folclóricos e entidades semelhantes que cultivam o linho para fins recreativos e pouco mais que alguns resistentes que o produzem com qualidade, mas de forma completamente artesanal e que é complicada de rentabilizar.
O objectivo era encurtar as fases mais "dolorosas" do processamento do Linho: as de espadelar e assedar, principalmente, que são demoradas e custosas no que diz respeito a mão-de-obra, mas também a parte da fiação. Uma das máquinas produzidas para esse efeito foi uma espadeladora mecânica. Baseada inteiramente num modelo irlandês e produzida pelo CENFIM apenas pelo custo dos materiais (ofereceram a mão-de-obra), para as associações de artesanato que na altura quiseram adquirir uma. Também se produziu aquilo a que o engenheiro chama "bancas de fiar" eléctricas.
Já estamos noutro século e, actualmente, encontrar e comprar equipamento de escala intermédia para processamento têxtil, fora de Portugal, já não é tão difícil. Mesmo assim, salvo raras excepções, o panorama português é bastante artesanal e acima de tudo, rústico.
Quero dizer com isto que, mesmo actualmente, não é comum encontrar equipamento como o que o Eng.Silva conseguiu produzir, por isso, ter a iniciativa de o construir de raiz nos anos 90, é algo excepcional.
Na altura, o equipamento não se disseminou, mas achei interessante como algumas pessoas envolvidas no projecto adquiriram, e continuam a usar ainda hoje, essa maquinaria. Sim, há gente com uma espadeladora mecânica destas em casa e também com rodas de fiar eléctricas fabricadas à medida, localmente, há 20 anos atrás.
O facto da espadeladora ser uma réplica de um modelo irlandês, fez com que as suas dimensões estivessem pensadas para variedades de linho estrangeiras, que são mais altas. Usar uma máquina destas implicava que não estivéssemos a usar uma variedade regional que cresce apenas uns 40cm de altura, como o Linho Galego. Optimizar a produção têxtil, mesmo que numa escala mais pequena, pelas conclusões dos diversos estudos que o Eng.Silva fez, também implicava mudar o cultivo para uma variedade mais rentável.
Uma das coisas importantes acerca de uma pessoa como o Eng.Silva é que o conhecimento que ele possui não é apenas teórico nem apenas empírico. Quando trabalhou com o linho, também realizou cultivos, e por trás disto tudo há uma formação académica e um interesse pessoal que lhe deram um conhecimento excepcional sobre a matéria.
Saí deste encontro com livros do Flávio Martins sobre a cultura do linho, com cópias e um documento original dos estudos que o Eng.Silva fez ao longo dos anos (preciosos!) e respostas a muitas dúvidas técnicas que antecederam a sementeira e que precisava de ver esclarecidas. Tive ainda oportunidade de folhear o álbum fotográfico de registo do projecto de desenvolvimento da maquinaria que mencionei anteriormente.
Típico de alguém que tem mais que um interesse profissional pela matéria é encontrar pela sua casa resquícios do interesse pelo Linho. O engenheiro ainda tinha guardadas duas rodas de fiar eléctricas, daquelas produzidas a seu pedido, uma roda de fiar Louet dentro da caixa original (mandada vir da Holanda nos anos 90 através de um amigo camionista) e um exemplar da tal espadeladora mecânica "de tipo irlandês" encostada, mas funcional, numa das arrecadações.
Tudo relíquias!
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[01.04.2015 / Este post refere-se à investigação e actividades desenvolvidas no âmbito do programa Saber Fazer em Serralves ]

