Anatomia de uma capa de burel

capucha-burel-1.jpg
capucha-burel-3.jpg
capucha-burel-4.jpg
capucha-burel-10.jpg
capucha-burel-11.jpg
capucha-burel-6.jpg
capucha-burel-5.jpg
 

O assunto da capa de burel surgiu na oficina de tecelagem, enquanto o Fernando folheava a capa de amostras dele que contém alguns exemplos de tipologias tradicionais, portuguesas e não só.
É interessante olhar para uma peça destas do ponto de vista técnico que, apesar de ser tantas vezes ignorado, é muitas vezes o que mais condiciona o resultado final. O que fazemos não é sempre fruto do que se quis fazer, mas do que pôde fazer com os meios técnicos que tínhamos para atingir determinado fim, ou, como ouvi dizer no outro dia: o bom design prospera na adversidade.

Na oficina, falamos do burel do ponto de vista técnico da tecelagem, de como o tecido tem de ser uma sarja para que o processo de feltragem durante o apisoamento corra bem e o tecido fique bem fechado. A sarja, por ser uma estrutura com menos ligamentos que o tafetá, deixa os fios mais livres, o que auxilia a feltragem que ocorre durante o apisoamento.
Ao olharmos para a capa, percebemos que a estrutura do tecido não é uma sarja verdadeira, feita com 4 quadros, mas sim uma falsa sarja de 3 quadros. A capa diz-nos que a necessidade de tecer uma sarja é imperativa para se fazer um bom burel, mas também que como teares tradicionais de 4 quadros não abundam, resolveu-se o problema com um de 3.
A fiação também dita o sucesso do apisoamento ou não. Os fios para a teia eram fiados com mais torção, para resistirem às forças de tensão a que uma teia está sujeita, mas os da trama eram fiados com pouca torção, sem dúvida para manter as fibras soltas, o que ajuda na feltragem.

Esta capa chegou-me às mãos graças à Paula e ao Fernando. Eu já andava há alguns anos à procura de uma verdadeira capa de burel, que gostava de ter tanto por razões sentimentais como profissionais.
Esta é uma capa antiga, mas nova. Nunca foi usada. Foi feita há muito tempo para ser vendida.
O fio foi fiado à mão a partir de lã churra preta e o tecido também foi tecido à mão pela pessoa que a vendeu, da zona de Montalegre. Ainda me falta apurar em que pisão foi apisoado o tecido (provavelmente o de Sezelhe, de acordo com a Paula) e quem a talhou. 

Uma das coisas que sempre me fascinou nestas capas, e que nunca tinha conseguido ver com clareza até ter recebido esta, era precisamente o corte. É aparentemente simples e de uma geometria rigorosa, mas qualquer pessoa que experimentou uma capa destas vos dirá que mal a vestem, são automaticamente envolvidos por ela. Cai na perfeição, quer a usemos com capucha, só aos ombros, aberta para trás ou pousada só num ombro.  
A largura dos teares também era uma limitação, claro. Não seria possível tecer peça larga o suficiente para talharmos o corpo numa peça inteira. Então, esta própria geometria do corte, que é tão bonita, também resulta de uma limitação. Vemos as costuras voltadas para dentro, mas do lado exterior estão de tal forma pisadas que são quase invisíveis.

A Maria Martins, que a fez, diz que se deve guardar num saco de estopa, por causa da traça, que não come a estopa para chegar à lã! É daquelas coisas que se torna óbvio depois de alguém nos dizer...

Anterior
Anterior

De quando trouxemos a Teresa ao Norte para nos ensinar umas coisas sobre seda

Próximo
Próximo

Aprender a tecer com o Rei