Alunos Aplicados: Royal’Pacas

Francisco com as suas alpacas reais.

Nos tempos mais recentes temos assistido ao crescimento de tantos alunos nossos, cada um a colocar em prática o que aprendeu no Saber Fazer à sua maneira, tanto que se tornou impossível não partilharmos aqui as histórias deles (e o orgulho que sentimos)!
Esta vai ser uma nova série que vão ver por aqui, em que reconectamos com pessoas que fizeram as nossas formações e descobrimos mais sobre o que têm andado a fazer com o que aprenderam por cá e como evoluíram desde então.
Esperamos que as histórias deles vos inspirem!

 

A Patrícia e o Francisco das Royal’Pacas.

Hoje, vamos contar-vos um pouco da história da Royal’Pacas Family, um projeto no Montijo onde habitam alpacas reais e os seus servos, a Patrícia e o Francisco!
A Patrícia, engenheira aeroespacial de Castelo Branco, trabalha na banca digital. O Francisco, nascido e criado no Porto, é engenheiro do ambiente e trabalha na área das energias renováveis. Cruzaram-se por Lisboa e vivem agora numa quinta no Montijo onde desenvolvem diversas atividades com base nas suas alpacas reais: visitas, workshops e até organização de tosquia para alpacas, entre outros serviços.

Em 2021, a Patrícia e o Francisco vieram ao Saber Fazer para fazer uma formação personalizada sobre o processamento da fibra da Alpaca, que era algo que lhes suscitava curiosidade e que gostariam de potenciar, dado que têm fibra maravilhosa todos os anos.
Por cá somos mais especialistas em lã portuguesa, mas é impossível resistir a alpaca, principalmente quando vêm de animais “premium” para produção de fibra e ainda a trazem pessoalmente ao Porto. Por isso, para a Patrícia e o Francisco, criamos uma formação adaptada às necessidades específicas deles, para os ajudar a explorar a vertente têxtil desta nova aventura.
Hoje em dia, a vertente do processamento têxtil não só está completamente incorporada nas atividades que fazem nas Royal’Pacas, como se tornou uma parte importante da vida da Patrícia, que se apaixonou completamente pela fiação e pela tecelagem.
Adoramos acompanhar as aventuras deles através do Instagram e principalmente ver a Patrícia a ficar cada vez mais enredada no têxtil! Já não há volta a dar.

Patrícia com as suas alpacas reais.

De onde surgiu a ideia de ter alpacas?

Havia uma série australiana que eu [Patrícia] seguia, chamada “McLeod’s Daughters”, sobre duas irmãs que tinham uma grande quinta e uma delas tinha duas alpacas como animais de estimação. Como não conhecia o animal, fui pesquisar.
Achei muito interessante o que encontrei na internet na altura porque é um animal com muitas qualidades. Um temperamento muito atraente, porque é curioso e muito cómico. E tem aquela fibra que, percebi depois, era de luxo, com imenso potencial. Foi assim que surgiu o meu sonho de ter alpacas, mas essa ideia ficou sempre no plano da utopia. Era um refúgio, mas não era concretizável.
Quando conheci o Francisco, uma das coisas que ele me perguntou foi “se não trabalhasses no banco e não tivesses limitações, o que gostavas de fazer?”. E claro, as alpacas surgiram na conversa.
Anos depois, já com a quinta e sem nenhum projeto para ela, o Francisco lembrou-se da minha paixão pelas alpacas e começamos a falar sobre isso. Inicialmente, pensamos em ter só 2 ou 3 como animais de estimação, mas depois a coisa escalou…

 
 

Vocês acabaram por decidir trazer as alpacas de Inglaterra. Tentaram encontrar alpacas em Portugal?

Sim, mas não tivemos muito sucesso. Em 2020, quando começamos à procura, lembrei-me de um senhor holandês que tinha visto anos antes na Pet Festival,  que tinha alpacas. Uma das coisas que mais me marcou quando vi as alpacas pela primeira vez ao vivo foi uma mesa que estava ao lado da vedação: tinha uma amostra de lã de ovelha em bruto e uma amostra de fibra de alpaca, e as pessoas eram convidadas a tocar nas duas. Foi um momento “click”! Aquelas fibras são algodão-doce! Aquilo dá mesmo vontade de apertar!
Esse momento marcou-me tanto que esse senhor foi o nosso primeiro contacto cá em Portugal.
Ele indicou-nos alguém que tinha alpacas para vender, mas esse local foi o nosso primeiro choque: percebemos que afinal as alpacas não são todas amigas e não são todas iguais. Por fim, fomos ao Monte Frio Alpacas onde a Lisa nos mostrou uma faceta que nos agradou muito mais: as alpacas estão muito felizes, estão mais livres, muito bem treinadas.
Sem oportunidades de compra e em plena pandemia,  decidimos ir à procura na internet e conseguimos encontrar uma senhora em Inglaterra que nos ajudou em todo o processo de escolha, compra e transporte. Foi ela que nos deu o contacto da criadora que acabou por nos vender as nossas alpacas.

O momento da chegada das alpacas reais ao Montijo.

Deve ter sido difícil escolher alpacas à distância. Ter alpacas com boa fibra era um dos vossos objetivos?

Queríamos um equilíbrio entre bom temperamento e boa fibra. A criadora que nós escolhemos enviou-nos não só toda a linhagem genealógica das alpacas, como também análises relativas ao comprimento e espessura da fibra, várias amostras e boas fotografias. Até nos indicou quais eram os parâmetros segundo os quais devíamos avaliar a fibra e também que documentos deveríamos requisitar para comprovar a qualidade da fibra. Em Inglaterra é normal pedir esses documentos, já que os criadores fazem análises à fibra anualmente.
Claro que corremos um grande risco, porque foi tudo à distância. Mas estas duas pessoas, a mentora que foi a quem recorremos primeiro e quem nos recomendou aquela criadora; E a criadora, que nos enviou fotos, análises e amostras, pareceram-nos pessoas honestas, em quem podíamos confiar.

 
 

Depois de escolhidas as alpacas, como correu a aventura de as trazer para Portugal?

Encontrámos empresas que faziam o transporte especializado de alpacas, mas o valor era uma obscenidade. Depois acabamos por contratar, com algum receio, uma transportadora de cavalos que faz muitos transportes aqui para Portugal, e correu tudo muito bem.
As alpacas vieram muito bem tratadas e quando chegaram começaram logo a pastar, tranquilas. 
A maior dificuldade foi o registo das alpacas em Portugal, pois não há protocolos bem definidos.

Dado que as alpacas não são animais autóctones no nosso país, quais são as especificidades de as ter cá, em termos de alimentação e assistência veterinária?

Inicialmente pensávamos que as alpacas eram animais de baixa manutenção! Que lhes bastava o pasto e o feno e eram muito resistentes a todas as doenças. Depois de estudarmos a viabilidade de ter alpacas em Portugal, percebemos que não era assim tão simples.  Como são animais naturais da América do Sul, toda a erva, o pasto, até o sol de lá é completamente diferente do que o que temos aqui e portanto a alimentação tem de ser adaptada e suplementada.
O Francisco fez uma tabela Excel super completa com as várias rações que existem no mercado e as necessidades nutricionais das alpacas. Chegámos à conclusão que as rações que se usam em Portugal não são suficientemente boas.
Entretanto, houve um criador no sul de Espanha que nos disse que usava uma ração belga própria para camelídeos que tem dois componentes: uma parte de alimento próprio para camelídeos e outra parte de suplemento mineral e vitamínico, que é dado diariamente e ajuda a complementar as necessidades delas.
Outra dificuldade que encontramos foi a falta de veterinários de alpacas em Portugal. As alpacas nunca se queixam, são animais estóicos. Além disso, como têm aquela camada alta de fibras, é mais difícil notar magreza e perdas de peso.
Elas têm um sistema imunitário muito diferente dos outros animais e uma das coisas que as afeta muito são os parasitas internos. As preocupações veterinárias em Portugal são diferentes das do Reino Unido e, como tal, eles não sabiam o que nos recomendar. Portanto, tivemos de ser nós a pesquisar soluções. 
Encontramos dois veterinários que nos ajudam imenso. Um de exóticos e outro da área de gado. O nosso objetivo é ter veterinários que entendam que estes são animais exóticos, com necessidades diferentes, e que estejam disponíveis para pesquisar e aprender. 

 

Fibra das alpacas da Royal’Pacas.

 

Resolver a questão da tosquia em Portugal para um animal tão específico como a alpaca também não deve ter sido fácil.

Um mês após a chegada delas começamos logo a pensar como iríamos resolver essa questão. Já tinha visto alguns vídeos de tosquia no Youtube para me familiarizar com o processo e a conclusão a que cheguei é que tosquiar uma ovelha e tosquiar uma alpaca é completamente diferente. A anatomia é diferente, a pele é diferente, a lâmina tem de ser diferente.
Felizmente, encontrámos um tosquiador que mora em França e que faz uma ronda de tosquias pela Europa. Conseguimos entrar em contacto com outros pequenos criadores de alpaca em Portugal para que o tosquiador não viesse apenas tosquiar as nossas. Em 2021, ele veio tosquiar cerca de 50 alpacas (normalmente costuma tosquiar cerca de 1000 numa temporada), por isso, para ele, isto não era nada. Mas ele gostou tanto de Portugal que este ano até comprou cá um terreno. Já temos também essa situação resolvida.
O tosquiador também faz algo que é fulcral para nós: faz a avaliação física do animal, corta as unhas e até dá dicas sobre a qualidade da fibra.

Tosquiadas as alpacas, encontraram-se com fibra nas mãos para trabalhar. Como é que encontraram o Saber Fazer?

Inicialmente queríamos encontrar uma oficina tal como as que vimos no Reino Unido, que fizesse o processamento da fibra para que depois pudéssemos fiar, fazer novelos e talvez aprender a tecer.
O encontro com o Saber Fazer deu-se através de uma amiga que falou a outra amiga que, por sua vez, nos indicou o vosso trabalho. Não fomos nós que chegámos a vocês, foram vocês que chegaram a nós! E este encontro mudou tudo: o nosso objetivo, o nosso interesse, o nosso conhecimento. Fazer o curso no Saber Fazer fez toda a diferença.

 
 

Como foi a vossa formação no Saber Fazer? Ficaram motivados para começar a trabalhar com a fibra das vossas alpacas?

Optamos por fazer uma formação em privado com a Alice, em 2021, porque queríamos aprender especificamente sobre a fibra de alpaca. Sentimos que a comunicação foi sempre adequada àquilo que mais nos interessava, o que fez com que estivéssemos muito envolvidos.
Outro fator positivo da formação no Saber Fazer foi a receptividade que sentimos: “Aqui não temos alpacas, mas ‘bora lá aprender!”. Ainda não tínhamos encontrado essa atitude em Portugal.
Toda a experiência foi muito boa. O espaço é muito giro, acolhedor, o cheiro característico que tem.
A formação, por ser tão boa, surtiu dois efeitos: primeiro fez com que a Patrícia encontrasse um hobby, porque ganhou um gosto enorme pela fiação. Depois desmistificou completamente a fibra de alpaca.
Fez-nos compreender melhor todas as qualidades desta maravilhosa fibra que tínhamos e perceber também como poderíamos torná-la vendável e lançá-la para o mundo. Muito desse conhecimento também é transmitido por nós nas visitas que recebemos na quinta.

De que forma aplicam os conhecimentos que adquiriram cá, nas vossas atividades da Royal’Pacas?

Partilhamos com os visitantes aquilo que aprendemos no Saber Fazer: que a fibra não tem lanolina, e, portanto, não precisa de ser imediatamente lavada para ser trabalhada; que a fibra de alpaca é oca por dentro, o que a torna mais quente do que a lã de ovelha.
Falamos também sobre o seu processamento explicando todos os procedimentos: a tosquia, lavagem, cardação, fiação ou feltragem, mostrando a cardadeira e a roda de fiar. Há pessoas que adoram essa parte da visita!
Detemo-nos também sobre as características da fibra, o porquê de ser tão boa e de mesmo assim não ser tão popular comercialmente.
Algumas pessoas que vêm visitar já conhecem a fibra de alpaca, outras nem tanto. Quando eu mostro a fibra gosto que tenham a mesma experiência que eu tive, por isso incentivo-as a tocarem para entenderem como é leve e maravilhosa. 
A formação no Saber Fazer deu-nos muito “querer fazer”. As alpacas já nos eram úteis para as visitas, de modo a equilibrar as despesas que temos com elas, mas agora temos a possibilidade de transformar a fibra dos nossos animais em objetos palpáveis.
Por exemplo, deu-nos vontade de pegar na fibra que o Aragon nos dá e transformá-la em algo tangível. Nós já íamos ter de alimentá-lo, de lhe dar abrigo, de cuidar dele, a fibra era quase um bónus. Mas eu passei a olhar para essas coisas que fiz com a fibra dele e via o Aragon nelas. Por isso, quando nas nossas visitas mostro a alpaca em feltro que fiz e digo “temos aqui o Aragon!”, isto é profundo para mim.

 

Na Royal’Pacas a Patrícia também organiza workshops durante os quais ensina sobre a fibra de alpaca e o seu processamento.

Aragon

Na Royal’Pacas a Patrícia também organiza workshops durante os quais ensina sobre a fibra de alpaca e o seu processamento.

Na Royal’Pacas a Patrícia também organiza workshops durante os quais ensina sobre a fibra de alpaca e o seu processamento.

 

Esse “querer fazer” passou também pela aquisição de equipamento específico para poderem de facto “fazer” e desenvolver as vossas atividades na quinta. Como encararam esse investimento e a escolha do equipamento? Foi importante para o que fazem nas visitas e atividades?

Na verdade, a aquisição foi decidida ainda antes de haver um plano efetivo. A vontade de dar continuidade ao que aprendemos foi tanta que se tornou óbvio que tínhamos de comprar equipamento para praticar e perceber até onde podíamos ir. Confrontados com o investimento e aliando ao prazer que me dava continuar a aperfeiçoar todos os passos, mostrar todo o processo passou a ser uma componente das visitas, enriquecendo toda a experiência.
A venda de produtos está planeada para um futuro breve, mas no presente ainda não temos essa hipótese.

A aquisição de equipamento passou por uma cardadeira Classic Carders Standard 120tpi, uma roda de fiar Louet S10 Scotch tension, um tear Louet Erica 50/4, bem como diversos acessórios como sarilhos, fusos, bobines, etc.

Fibra de alpaca cardada na Cardadeira Classic Carder Standard 120tpi.

Fio fiado na roda de fiar Louet S10 ScT da Patrícia.

Mas sabemos que a formação da Patrícia não se ficou pelo processamento da fibra e fiação. Ficou de tal forma enredada no têxtil que decidiu ir mais longe...

Sim, voltei a ter o privilégio de, através do Saber Fazer, ampliar o curso dos têxteis . Fiz uma formação de Tecelagem com a Guida Fonseca e foi maravilhoso completar o ciclo e terminar com um produto pronto a usar. A amplitude de conhecimento da Guida, a dedicação com que ensina, foi sem dúvida mais um marco.
Neste momento tenho um cachecol do George, outro da Camila e outro do William (sim, são algumas das nossas alpacas) e fervilho de ideias para novas peças. As possibilidades são infinitas. O difícil é ter tempo para pôr os projectos em curso, pois parto da lã em bruto e há que cardar, fiar, lavar e tecer.

 

Uma das peças tecidas pela Patrícia, com o fio das suas próprias alpacas.

Uma das peças tecidas pela Patrícia, com o fio das suas próprias alpacas.

A Patrícia durante a sua formação de tecelagem.

William

Camilla

 

Esta aventura de adquirem as alpacas e de fazerem cá a formação especializada sobre o processamento da fibra mudou de alguma maneira a vossa visão em relação ao mundo dos têxteis?

Mudou muito. Um amigo nosso quando veio cá disse aquilo que eu pensava também no início: como é que se transforma uma alpaca num fio? Mostrando todo o processo, desde a cardação à fiação, como os fios se envolvem e acabam por criar algo tão resistente… só não digo que é magia porque nós somos engenheiros, mas é quase!

 
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