Da maceração do Linho (pt1)

 

Depois da colheita, vem a Maceração (também chamada de "curtimenta" ou "alagamento"), o processo através do qual vamos separar as fibras do linho da parte lenhosa do caule,  ou "aresta", como é mais frequentemente chamada por quem trabalha o linho tradicionalmente. Este processo é dos que mais contribui para mantermos a qualidade e beleza da fibra que estamos a produzir. Ou então para a arruinar, se não for bem feito.
Há várias formas de o fazer, mas nós usamos um método natural de fermentação que é o mais tradicional em Portugal e que consiste em submergir os caules em água durante um certo período de tempo. Dentro da água vai ocorrer um processo fermentativo, realizado pela flora microbiana que existe naturalmente nos caules, que vai decompôr as substâncias pécticas que unem as fibras do linho aos outros tecidos e também os feixes de fibras entre si.
Até aqui parece tudo muito simples, mas sendo um processo natural realizado num local sem condições controladas, há muitas variáveis que podem afectar o processo e que não conseguimos controlar nem medir com rigor. É que no final de uma boa maceração, queremos obter os feixes de fibras, no seu comprimento total que será o do caule, completamente "descolados" da parte lenhosa e separados entre si, mas não queremos que o processo avance até tal ponto que as fibras se quebrem nas suas porções mais elementares ou, pior ainda, que os caules apodreçam e que outros microorganismos comecem a digerir a celulose de que é feito o nosso precioso linho.

 
 

Falhar nesta fase é muito fácil, principalmente quando fazemos o processo num sítio novo pela primeira vez, como é o nosso caso no Parque da Devesa. Para termos a certeza do tempo que o linho deve levar debaixo de água, neste tanque específico, e se as condições são boas, só depois de o fazermos uma primeira vez e analisarmos os resultados. Ou seja, só com experiência. Na verdade, só iremos ter a certeza se o tempo de maceração foi o correcto ou não quando o linho entrar no engenho e vermos como reage à moagem.
Ainda assim, para quem faz um processo destes pela primeira vez, e mesmo para quem já é experiente, há um par de testes que podemos realizar uns dias após a maceração (6 ou 7) e que nos podem ajudar a decidir se o linho deve ser retirado ou deixado na água mais uns dias.
Um dos testes, que é utilizado tradicionalmente e que também já me foi transmitido pela D.Teresa Frade, que sempre cultivou linho, e também pelo Sr.Abílio, consiste em pegar em vários caules de diferentes molhos, fazer um cadilho com cada um e atirá-los novamente à água. Se a maior parte for ao fundo, estará na altura de retirar o linho da água. Se a maior parte flutuar, a maceração ainda não estará terminada. Gosto deste teste porque nos permite fazer uma amostragem de diferentes palhas de diferentes molhos e ter uma ideia de como está a correr o processo.

 
Cinco palhas retiradas ao acaso dos molhos que estavam há 6 dias no tanque. / Five stems randomly taken from the bunches that were submerged in the tank for the retting process.

Cinco palhas retiradas ao acaso dos molhos que estavam há 6 dias no tanque.

Todos os caules afundaram, pelo que decidi retirar o linho do tanque. / All of the stems sunk, so I decided to remove the flax bunches from the tank.

Todos os caules afundaram, pelo que decidi retirar o linho do tanque.

 

O segundo teste, que me foi ensinado pela D.Fátima, consiste em pegar num caule (ou vários, se também quisermos ter uma pequena amostragem) e fazer deslizar a mão para testar a facilidade com que as fibras se soltam da parte lenhosa. Os feixes de fibras estão localizados no exterior, rodeando a parte lenhosa, portanto é fácil de perceber que se a camada exterior sair facilmente é porque está já separada do interior. Mas atenção que as fibras também deslizam se estiverem demasiado maceradas, o que quer dizer que temos de começar a fazer este teste bem antes do final do processo (5/6 dias), e continuar a fazê-lo até reconhecermos o ponto certo. 

 
Colocamos os dedos na base de alguns caules que estejam no tanque e fazemo-los deslizar até ao topo. / We place our fingers on the bottom of the stalk and slide them up to the top.

Colocamos os dedos na base de alguns caules que estejam no tanque e fazemo-los deslizar até ao topo.

 
Se a camada exterior, que é basicamente composta pelos feixes de fibras, se soltar facilmente da parte lenhosa, então está na altura de retirar o linho da água. / If the exterior layer, which is basically composed of flax fibers, comes off easi…

Se a camada exterior, que é basicamente composta pelos feixes de fibras, se soltar facilmente da parte lenhosa, então está na altura de retirar o linho da água.

 

De forma geral, a maceração leva uns 8 dias no mínimo, se for realizado num tanque com alguma dimensão, com alguma renovação de água. Se estiver a fazer este processo pela primeira vez, é para esta duração que aponto. Se estiver insegura, prefiro tirar o linho demasiado cedo do que demasiado tarde. Se o linho estiver pouco macerado vai ser mais difícil de trabalhar, mas pelo menos a fibra está inteira. Se me enganar por excesso de tempo, posso acabar com linho decomposto em fibras mais curtas ou, pior ainda, podre. A qualidade da água também é determinante: quanto mais limpa, melhor decorrerá o processo e mais claro resultará o linho.
Depois de terminado o processo, o linho é retirado da água e colocado a secar. Há quem o lave antes de o colocar a secar, para remover a água "suja" e separar melhor os caules, o que ajuda a branquear as fibras.
Os molhos devem ser imediatamente desfeitos e o linho espalhado directamente sob o sol (ou no chão, ou em pilhas na vertical). A secagem demorará, no mínimo, outros 8 dias, mas provavelmente mais alguns. É fácil ver quando é que o linho está bem seco, amassando algumas palhas para ver se a aresta se parte facilmente e sem empapar.
A Maria das Dores mostra como se faz isso neste vídeo.

 
 

Algumas notas: também é possível deixar os caules secar logo a seguir à colheita, antes de procedermos à maceração. Como isso implica mais um compasso de espera, é algo que não tem interesse dentro do contexto em que fazemos o nosso cultivo, mas pode ser útil quando temos algumas limitações. Por exemplo, quando não podemos macerar todo o linho de uma só vez ou então queremos guardá-lo para mais tarde. Neste caso, com os caules secos, penso que a curtimenta demorará naturalmente mais uns dias do que quando esta se inicia imediatamente com os caules frescos.
Também se pode realizar o processo de maceração deixando o linho estendido no campo onde se colheu, em vez de o submergir em água completamente, deixando-o macerar através do orvalho. Aliás, esta técnica será, porventura, a mais conhecida. É mais útil para quem não tem um local com água que possa utilizar para o processo e é mais fácil de controlar o "ponto certo" por ser um processo muito mais lento. Mas por levar muito mais tempo e por exigir mais acompanhamento não é tão prático para mim, que prefiro tê-lo num tanque 8 dias e ter o processo feito.

Anterior
Anterior

Da maceração do Linho (pt2)

Próximo
Próximo

Selecção artificial