Fiar com um fuso português
Já andava para escrever este post há imenso tempo. Nada de complexo, um simples apanhado de diferentes senhoras com que me fui cruzando a fiar com o tipo de fuso mais comum no nosso país, mas mais invulgar lá fora. A ideia é apenas mostrar a técnica, algumas semelhanças e também as diferenças introduzidas pelo estilo pessoal de cada uma.
Há umas semanas a Josefin recebeu um dos fusos do Saber Fazer, o que suscitou uma série de questões pertinentes acerca da técnica de fiação com um fuso deste género e portanto motivou-me a publicar finalmente estes videos.
Primeiro, queria deixar duas notas iniciais sobre a utilização deste fuso:
- por cá, quer se fie linho ou lã, a roca está quase sempre presente para suportar as fibras enquanto fiamos. Não é tão comum encontrar quem fie sem roca, mas existe;
- o fuso pode estar sempre na mão ou ser utilizado em suspensão, embora neste caso apenas por curtos espaços de tempo. Ser utilizado em suspensão, depende da qualidade do fuso (principalmente de ter uma boa mainça, como os meus), da mestria da fiandeira e do tipo de fio que se está a fiar. Também depende da preferência pessoal, como iremos ver mais abaixo nos vídeos;
Ora aqui vamos nós:
Neste video da Adelaide a fiar linho, que captei na Corredoura (Guimarães) em 2013 vemos a técnica mais comum. A mão esquerda puxa as fibras enquanto a direita roda o fuso. Se repararem bem, a mão do fuso abre-se ligeiramente para o deixar girar livremente, quase em suspensão. Isto permite que o fuso gire mais rápido, claro.
Outro exemplo de uma técnica mais tradicional é a da Benta. Apesar de estar a fiar lã, a técnica é semelhante à da Adelaide.
A Benta já não se encontra entre nós, mas mantém-se na memória daqueles que se cruzaram com ela. Foi uma das pessoas mais interessantes que alguma vez conheci e de quem respiguei conhecimento muito valioso. Podem ver mais vídeos da Benta aqui: #01, #02, #03, #04, #05, #06 e #07.
Aqui temos a Ilídia, minha querida amiga e professora, com quem tive a sorte de fazer a minha iniciação na Lã e na fiação e que me deixa sempre hipnotizada quando a vejo a trabalhar. Este pequeno vídeo fi-lo em Setembro passado e o que ela está a fazer é a fiar para produziros fusos, coisa rara de se ver por cá nos dias que correm. Com isto quero dizer que ela está, de facto, a fiar para vender e que, portanto, não está a brincar em serviço como se pode ver pelo tamanho da maçaroca, bem como pela destreza e velocidade. Como podem ver, ela fia em suspensão. Sabem porquê? Porque dela têm uma boa mainça. E têm uma boa mainça porque ela não brinca em serviço. Um fuso mais ou menos bom não serve para a Ilídia.
Depois temos a minha amiga Tita Costa. A Tita aprendeu a fiar com uma senhora da zona do Douro que era amiga da família dela. O fuso que ela está a usar, que é de uma incrível qualidade com uma exímia mainça feita em latão, pertencia a essa senhora e portanto já tinha trabalhado muito antes de chegar às mãos da Tita.
A técnica que a Tita aprendeu e usa actualmente não inclui roca e o fuso nunca sai da mão porque nunca é utilizado em suspensão. Aquele som que ouvem, é o fio a saltar da mainça enquanto recebe a torção. A Tita costuma dizer que é o fuso a cantar.
Na verdade, o fuso dela permite fiar em suspensão, mas ela não o faz.
Eu tenho vários fusos do mesmo género, todos antigos, mas apenas um tem a mesma qualidade do da Tita e é o que mais uso para fiar. Até hoje não o consegui replicar e os que encontro à venda em feiras ou noutras lojas são mais úteis para decoração do que para fiar. Geralmente os fusos com a ponteira metálica eram mais utilizados para fiar linho, mas podemos perfeitamente fiar outras fibras com ele.
Para terminar deixo a Fátima a fiar com um cabo de vassoura adaptado para ser um fuso, porque o que há mais são técnicas diferentes e o que é preciso encontrar é aquela que cumpre a função da forma que sentimos que nos é mais confortável e produtiva.

