Da ovelha Saloia e das saloias do Casal da Freira
Lã Saloia, fina e frisada.
Em 2015, quando fizemos o nosso estudo sobre as Lãs Portuguesas, uma das raças que mais nos surpreendeu foi precisamente a Saloia, pela sua finura e qualidade. Não que fosse difícil uma das raças surpreender-nos, dado o pouco conhecimento sobre a diversidade de lãs produzidas pelas raças autóctones que tínhamos nessa altura, mas ainda assim, uma boa surpresa!
É dito que na origem desta raça se encontra um cruzamento de merinos espanhóis com os ovinos já existentes na zona rústica de Lisboa. Não é por isso de admirar que a sua lã, quando de qualidade, se assemelhe mais a lã de tipo Merino que Bordaleiro, fina e frisada. Mas se originalmente estes ovinos tinham como vocações principais a carne e a lã, com a desvalorização desta matéria-prima no final do séc.XIX (tempos diferentes, o mesmo problema), os animais passaram a ser selecionados para se especializarem na produção de leite, o que acabou por caracterizar a raça daí em diante.
Já há alguns anos que não olhava para os números desta raça. Em 2015 o número total de animais registados em livro genealógico era de 4111 animais (machos e fêmeas). Em 2024 temos 1695 animais (1625 fêmeas e 70 machos). Um declínio nos números que é geral no panorama das raças autóctones, mas que não deixa de ser preocupante. Esta diminuição nos efetivos está geralmente associada a substituição por animais de outras raças que são mais produtivos e, por isso, economicamente mais rentáveis.
A Saloia, ovelha leiteira, na verdade não vê o seu leite associado a um produto específico, o que provavelmente impede a valorização desta matéria-prima, reduzindo o interesse dos produtores em ter esta raça.
Poderíamos olhar para o exemplo mais conhecido da ovelha bordaleira Serra da Estrela, cujo leite está associado à produção de produtos DOP como o queijo e o requeijão Serra da Estrela. Ou então para a raça Churra Galega Mirandesa, com o Cordeiro Mirandês, na qual também se fez um trabalho exemplar na criação e divulgação do DOP para valorizar a raça.
Por estes casos percebemos que certificar a proveniência de uma matéria-prima local, seja leite, carne ou lã, e associá-la a produtos com alto potencial de comercialização é um caminho obrigatório, se queremos valorizar uma raça autóctone.
Na lã, e apesar da potencial qualidade, também não podemos dizer que haja uma valorização. Para sermos justos, nem na Saloia, nem na maior parte das raças autóctones.
Como acontece quase sempre em território nacional, a qualidade das tosquias é baixa com um custo que pode ser alto consoante o número de animais tosquiados, dificultando a rentabilização económica por parte do produtor. Desbordagem e seleção não são práticas comuns, o que numa raça com um efetivo tão pequeno, destina obrigatoriamente a lã a um processamento industrial pouco diferenciador. Assim se reduz a possibilidade de uma maior valorização por um público que poderia apreciar a verdadeira lã Saloia, sem misturas.
Este ano quisemos encontrar um produtor de ovinos de raça Saloia que estivesse alinhado com os nossos valores e com o qual pudéssemos colaborar não só na compra da lã, mas noutras iniciativas que temos vindo a desenvolver em prol das lãs portuguesas. Esse produtor, o Sr.António Cardoso do Casal da Freira chegou-nos, e muito bem, pela mão da Guida.
Desde o tempo do pai do Sr.Cardoso que no Casal da Freira existiam sempre 50-60 Saloias, mas com o decorrer dos anos estas foram sendo cruzadas com raças exóticas, perdendo-se ali a raça.
Já foi em 2019, numa apresentação realizada pela Câmara de Loures e a DGAV, dedicado às raças autóctones, que o Sr.Cardoso voltou a ficar interessado nas Saloias e nas características desta raça autóctone. Em 2020 começou a substituir o rebanho de ovelhas cruzadas por animais de raça Saloia registada em livro genealógico, começando apenas com 3 fêmeas e 1 macho, proveniente de explorações diferentes, para garantir diversidade genética. Um processo difícil, este da aquisição de Saloias puras, não só pelo facto do efetivo da raça estar extremamente reduzido, mas também porque os produtores existentes são relativamente fechados, dificultando a compra de animais para a criação de novos rebanhos.
O seu objetivo não passa por ter um grande rebanho, mas sim um com animais bem selecionados que possam ser até adquiridos por outros produtores interessados em ter e trabalhar com a raça Saloia, valorizando-a nas 3 vocações produtivas possíveis: leite, carne, lã.
Depois de perseguir Saloias monte acima para as fotografar para o nosso álbum das raças ovinas portuguesas, preparamo-nos para a tosquia no dia seguinte.